Se as partes não tomarem cuidado, todo grande contrato tende a gerar grandes disputas: o gigantismo, a complexidade da operação e o longo prazo são campo fértil para desgastes, que se transformam em desentendimentos e desembocam em processos judiciais ou arbitragens.
Esses litígios, por sua vez, somente são resolvidos com base numa perícia, que vai elucidar a matéria de fato geradora do conflito. Mas essa prova será realizada muito posteriormente, tentando reconstituir o passado, com base nos documentos, nos relatos e nas vistorias possíveis.
Alguém terá razão, mas o bom relacionamento dos contratantes e o cronograma dos trabalhos podem sair irremediavelmente afetados.
No fundo, para ambas as partes o mais importante é que o problema seja rapidamente resolvido e que o contrato siga seu curso para cumprir o seu objeto e chegar bem ao final. Ou seja: é fundamental que o contrato tenha um forte aliado, que resolva potenciais conflitos com eficiência e rapidez antes que se transformem em litígios.
Esse grande aliado vem sendo o Dispute Board (DB), ou Comitê de Resolução de Disputas (CRD). Aliás, ele já ganhou até o apelido de Comitê de Prevenção de Disputas, pois a ideia gira exatamente nisso: identificar um problema bem no início e resolver a questão antes que se torne um litígio.
Há gradações nos Dispute Boards, que podem emitir apenas recomendações, de adoção não obrigatória (non binding recommendations — Dispute Review Board — DRB), passar pelos Dispute Adjudication Board (DAB), com um grau maior de vinculação das partes e até os Combined Dispute Board (CDB), que vão emitir decisões vinculativas (binding decisions), mediante requisição das partes.
Os Dispute Boards também podem ser permanentes (Standing Dispute Board), surgindo contemporaneamente ao contrato e acompanhando toda a sua execução, ou Ad Hoc Dispute Boards, instituídos apenas quando surge um problema no curso do contrato.
Normalmente os painéis têm um ou três integrantes.
Caso persista efetiva discordância com a decisão final, mesmo na forma mais exaustiva, completa e vinculante de Dispute Board, a parte deverá manifestar o seu inconformismo e daí partir para o litígio judicial ou arbitragem, de acordo com o que foi pactuado no contrato. Certo que, mesmo nessa hipótese, a situação será mais favorável ao contrato, pois já existirá farto material, produzido bilateralmente, para embasar a resolução do conflito.
A experiência mostra que a taxa de sucesso dos Dispute Boards é enorme: de acordo com a Dispute Review Board Foundation, no ano de 2000, nos Estados Unidos, 97% das questões surgidas em contratos de construção com Dispute Boards foram resolvidos de forma amigável, sem a ocorrência de litígios. Isso num universo de 757 obras envolvendo 39,5 bilhões de dólares
Entre nós houve a recente reforma da Lei de Arbitragem e a nova Lei de Mediação, que foram grandes avanços, mas os Dispute Boards ainda não foram legalmente regulamentados no Brasil. Saliente-se haver as excelentes regras da Câmara de Comércio Internacional (CCI) e mesmo a sua previsão em Câmaras de Mediação e Arbitragem como a do Centro Brasileiro de Mediação e Arbitragem (CBMA), sediado no Rio de Janeiro).
Bons ventos embalam o instituto: em mais uma evidência de apoio aos Meios Extrajudiciais de Solução de Controvérsias, recentemente a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, em acórdão relatado pelo ministro Marco Aurélio Bellizze (REsp 1.569.422-RJ), teve a chance de, mesmo que apenas na fundamentação, reconhecer a existência, validade e a eficácia dos Dispute Boards.
Nessa decisão o STJ usa como fonte a doutrina especializada, reconhecendo que “com o propósito de atender as peculiaridades de cada contrato, notadamente aqueles em que seus efeitos perduram ao longo do tempo, as partes podem reputar necessário, sob o enfoque da preservação do objeto contratual, ou mesmo desejável, sob o aspecto da manutenção do ambiente de cooperação e parceria entre os contratantes, que pontuais divergências surgidas nesse interregno sejam imediatamente dirimidas por um terceiro ou um “colegiado” criado para tal propósito”.
Ainda mais recentemente, o Conselho da Justiça Federal, na I Jornada sobre Prevenção e Solução Extrajudicial de Litígios, sob a Coordenação Geral do ministro Luis Felipe Salomão, emitiu três enunciados sobre os Dispute Boards, evidenciando a força que o Poder Judiciário já reconhece ao instituto, a saber: (i) “Os Comitês de Resolução de Disputas (Dispute Boards) são um método de solução consensual de conflito, na forma prevista no parágrafo 3º do artigo 3º do CPC.” (ii) “As decisões proferidas por um Comitê de Resolução de Disputas (Dispute Board), quando os contratantes tiverem acordado pela sua adoção obrigatória, vinculam as partes ao seu cumprimento até que o Poder Judiciário ou o juízo arbitral competente emitam nova decisão ou a confirmem, caso venham a ser provocados pela parte inconformada.” (iii) “A utilização do Dispute Board, com a inserção da respectiva cláusula contratual, é recomendável para os contratos de construção ou de obras de infraestrutura, como mecanismo voltado para a prevenção de litígios e a redução dos custos correlatos, permitindo a imediata resolução de conflitos surgidos no curso da execução dos contratos”.
Pois que os Dispute Boards cresçam e ocupem o seu merecido espaço, com o seu estabelecimento nos contratos, boa execução e reconhecimento da jurisprudência. É muito bem-vindo!
Por Rodrigo Candido de Oliveira, sócio do Galdino Coelho Mendes Advogados.
Fonte: Revista Consultor Jurídico, 13 de setembro de 2016, 10h38
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